sábado, 7 de fevereiro de 2009

ESTADOS DE ALMA






ESTADOS DE ALMA

O dia acordou sereno e a sua paz entrava pela minha janela, como um longo raio de luz. Cá dentro fazia uma enorme tempestade. No meu horizonte os mares bramiam de raiva e dor, as ondas navegavam atormentadas por pensamentos doentios, não de inveja, não de falta de amor mas, apenas um vazio. O vazio que se instalou por momentos quando, pior do que qualquer sentimento, o vento sopra um gemido de hipocrisia. Hoje, apetece-me sair. Abraçar a serenidade do dia. Apetece-me dirigir até ao mar e esperar que as gaivotas algo de novo me digam. Um estado de alma? Uma divagação ou apenas a constatação de que o tempo já não sabe gritar a dor? Não! Apenas uma vontade de dizer basta! Basta! Basta de usarem a minha boa vontade! Basta de me gritarem palavras gastas e vazias que para mim nada de novo trazem... BASTA!

Como tudo na vida, há uma razão para que o dia comece desta forma. Não sei! Sinto o peito cheio de lágrimas prontas a
sair sem controlo. Nem sei porquê, ou talvez até saiba. Estou farta das pessoas que me dizem, constantemente, que adoram a minha boa onda. Estou farta que aproveitem as minhas ondas calmas e serenas para despejarem o lixo quando acabam de comer. Estou farta que sujem a minha areia limpa e fresca com pedaços de palavras pretas e inconcretas das suas incertezas. E porquê? Porque estarei eu farta, se normalmente dou os meus braços para abraçar a dor de quem amo? Porque estou farta, se sou eu quem se disponibiliza para proteger e afagar a cor do desespero de quem precisa? É simples! É muito, muito simples! O mesmo tipo de pessoas que se aproximam, quase em silêncio, pensam que me estudam, que me conhecem... pensam que sou óptima para soltar os seus bramidos e afagar os seus olhares desvanecidos... esse mesmo tipo de pessoas esquece-se que também sou uma pessoa. Que também tenho os meus dias cinza, que precisam ser pincelados de cor e compreensão. Que também precisam de um abraço de quando em vez e de uma atenção. Mas, é essa gente que se diz companheira e que estará aqui sempre que precise e queira que, me manda calar a dor... que me aconselha a fugir da má onda. Como se fosse de uma má onda se não se poder gritar ao vento a razão porque me roubam as minhas cores? E eu sou o quê? Sou ferro? Sou alegoria de uma qualquer imaginação? NÃO! Claro que não! Eu sou gente... sim, sei que o mundo não gira à minha volta mas, só posso falar do que sinto ou do que já vivi. Só posso dar exemplos ou conselhos sobre tudo o que já senti e escolhi. Sou gente e estou consciente... consciente de que necessito de viajar noutros barcos mais generosos, menos egoístas e caprichosos que apenas reconhecem o seu vapor. Sou gente sim. Sou uma pessoa simples, com gostos simples e desejos como outra qualquer... sou uma pessoa com defeitos e virtudes mas, que merece receber o mesmo apoio e atenção que dá, senão de que vale a entrega? De que vale partilhar, se só posso partilhar boas ondas, boas energias? O que é partilhar se as pessoas jogam o lixo que as incomoda em mim mas partem quando o meu caixote está cheio? Como o posso despejar? Com quem o posso despejar, se olho e já ninguém me quer ouvir?

Bom, nesta loucura de pensamentos levantei-me e deixei-me relaxar num banho quente e demorado, onde nem o pensamento consegue estar acordado. Vesti-me. Peguei na chaves do carro e voei. Fui em direcção a nada, pensava eu. O carro levou-me dali até à praia. Joguei o meu corpo cansado na areia e fiquei a escutar aquela música infinita do mar... doce e cheia de
nuances diferentes. Ali me deixei ficar até acalmar a tempestade que se fazia em meu peito.

Horas depois senti-me purificada... limpa de todos os porquês. Limpa de toda a lixeira que se instalara em mim. As lágrimas secaram em mim porque dançaram de felicidade até à água e, pé-ante-pé lá foram juntar-se ao sal das suas amigas que se pavoneavam para cá e para lá com a areia. Suspirei fundo! Abri o meu peito já vazio de dor mas pleno de esperança. As cores serenas do céu entraram em mim. Senti-me bem! Já era eu de novo!

Decidi então sair dali e dar uma volta ao longo da praia. Os meus pés descalços agradeciam o contacto com a areia e, de quando em vez, encontravam uma ou outra concha que trazia consigo uma história. Todas elas eram diferentes. Todas elas tinham linhas diferentes mas, todas tinham vivido em conjunto no mar, partilhando a vida, os embaraços e até a morte. Agora estavam na minha mão com tanto para me contar. Li os seus segredos com o toque dos meus dedos e adivinhei um pouco a sua sorte. Não era difícil. Eram elas quem me transmitiam os seus sons, as suas cores. Eram elas que compunham a sinfonia da sua vida e a mim bastava-me saber ouvir. Gostei do que ouvi, do que senti.

As horas foram-se passando. Resolvi aproveitar o ar daquele lugar. Estava ausente de mim. De repente! De repente algo me acordou! Olhei em frente e vi alguém que me observava. Vinha do mar... uns olhos grandes e azuis que brilhavam como estrelas sorriam para mim. Fiquei apática, incrédula com tanta beleza que lhe vinha da alma. As ondas do mar trouxeram-no até mim. Perguntou-me se se poderia sentar-se a meu lado. Olhei-o mas penso que o meu olhar disse que sim porque logo o vi levantar-se. Parecia-me uma visão de sonho. Parecia algo planeado para um cinema... não queria acreditar no que vira. Perguntou-me porque estava ali, quando já nem era verão. Falei-lhe no meu acordar tempestuoso e ele ouviu-me com atenção. Perguntou-me se queria andar um pouco e,
levantámo-nos os dois. Seguimos o curso da praia e conversamos como há muito não fazia com alguém. Perguntei-lhe quem era de onde vinha. Porque se aproximara de mim. Ele perguntou-me porque o vi se raramente o viam com o olhar que eu o senti. Disse-lhe que não sabia... que talvez fosse o meu estado de espírito que o trouxesse. Sorrindo ele disse-me que era real e que gostava de ir ao mar fora de época. Sorrimo-nos os dois. Gostava de lhe perguntar o nome mas resolvi que seria melhor ficar assim... apenas um encontro onde dois desconhecidos descontraíram e falaram de tudo o que mais gostavam.

PASSS! AH!? Que se passara? ... Não sei! Só sei que acordei caída no chão. Caí da cama...bolas! Estava a sonhar...ahhahahahaha! Depois de uma valente gargalhada reparei que tinha estado a sonhar. Mas que sonho! Que coisa sem pés nem cabeça! Talvez fosse... ou talvez não. Não me quis alongar no pensamento. Preferi ficar a sornar um pouco por ali. Ainda tinha vontade de dormir mas, logo depois tocou o malfadado despertador. Mais um dia começava a chamar-me para a vida. Um som ruidoso e feio entrava-me pela janela... era o jardineiro a cortar a relva... como eu detestava aquele som pela manhã. Mas sorri. Sorri por tudo o que pensara estar a viver e que afinal era um sonho... ainda bem, dizia parte de mim. Pelo menos dentro de mim não havia tempestade alguma, apenas uma serenidade com cheiro a maresia. O dia estava um pouco sombrio e frio. E como eu detestava o frio! Não porque gostasse de calor em excesso mas... uma temperatura amena seria bem melhor. Não me apetecia largar os cobertores ali sim... ali estava quentinho. Tinha que ser, o dia esperava por mim delirante para me ver viver.

Dirigi-me onde me dirigia normalmente. Fui trabalhar. Entrei e
comprimentei toda a gente como já era normal. Recebi algumas respostas sinceras e outras hipócritas como já era normal. Sentei-me em frente ao computador, liguei-o. Entretanto estava a trautear uma música que tinha ouvido e, alguém se apressou a ligar o rádio. Olhei mostrando que tinha percebido a mensagem e, de retorno um sorriso amarelo recebi. Não era importante, estava indiferente a este tipo de falso companheirismo. De repente o telefone tocou. Atendi. Era um convite para o café. Boa! Pensei eu. Poderia brincar um pouco num local mais arejado e despido de preconceitos e ideias pré-concebidas que se bebia um pouco por ali... dentro do gabinete.

Ups! O tempo voou! Tudo o que é bom voa depressa, pensamos sempre nestas ocasiões. Não, o dia tinha voado mesmo. Hás vezes tenho a sensação que voa todos os dias um pouco mais apressado. Era tempo de sair, ligar o carro e partir. De repente olhei o céu. Delirei! Os meus olhos ficaram colados naquela doce fantasia dançante entre cores mescladas de melodia. Agarrei a minha máquina fotográfica e saí do carro. Dirigi-me para o miradouro e comecei a fotografar... escolher ângulos, adivinhar formas. Eram momentos que me enchiam de felicidade e me faziam viajar para longe da realidade. Não, aquela era mesmo a minha realidade. Sentei-me à beira rio e deixei-me absorver pela sua frescura e paz. Tudo era cor, tudo era vida em meu redor.

O telemóvel tocou. Sorri... já cá faltava um telefonema para me fazer voltar. Primeiro ouvi um pouco da música e, depois então atendi:
- Sim?! Estou!? - falei com vontade que me dissessem ser apenas um engano. Não. Não era um engano. Era muito melhor. Era uma surpresa vinda de longe. Um amigo que não ouvia há muito. Conversamos, rimos... entre parvoíces e brincadeiras sadias, dissemos algumas verdades interessantes. Combinamos um encontro para o dia seguinte. Desliguei o telemóvel. Já não queria atender mais ninguém, apenas ficar ali e deixar-me ir no curso do rio. Pensar na minha vida, nas decisões que teria que tomar. Na minha vontade de mudar algo, sem saber bem ainda o que seria. Apeteciam-me coisas novas, outros horizontes. De repente! Atrás de mim. Ouvi uma confusão. Eram gritos e sons que eu não entendia então, virei-me para observar. Que estranho! Havia uma grande confusão no jardim. De onde estava não conseguia ver nada, pois como sempre lá estava a presença incessante daqueles que nada têm para fazer ou dizer que não seja serem mirones. Porque haveria este tipo de gente? Que em vez de se aproximar para poder ajudar, apenas cercavam o ambiente como uma plateia
sedenta de sangue. Que coisa horrível! Detesto este tipo de gente que se abeira das coisas, da situação como se bebesse tudo o que observava, pávida e serena como se estivessem num filme. Nem num filme consigo ser assim... claro que não sou so centro do mundo, diria-me alguém naquele momento. Sou apenas a pessoa que está a expor a situação e a dizer como sinto tais atitudes. Aproximei-me e pensei... espero não ser nada de grave. Eram duas pessoas que se desentenderam e estavam a bater-se como se fossem crianças magoadas sem saber dialogar sobre os seus sentimentos. Havia raiva e dor nos seus olhos. Não vos vou dizer se eram um casal, se eram irmãos ou se homens ou mulheres... nada disso interessa. O que interessa é que alguém deveria intervir e separar aquelas pessoas. Fazê-las dialogar se possível ou, então, apenas deixar passar o tempo... às vezes o tempo resolve tudo. Olhei em volta. Realmente! Era angustiante os olhares espectantes daqueles que observavam como se fossem verdadeiros vampiros deliciados a beberem de tanta confusão e caos. Tentei perceber o que se passava. Não era possível. Era uma acção demasiado violenta, demasiado confusa para poder incluir-me nela. Telefonei à polícia... pouco me importava se iriam agir ou não mas agi eu conforme achei importante na altura. Abandonei o local porque em nada poderia ajudar. Eram dois adultos que tinham obrigação de ter aprendido a resolver as questões sem violência. A violência é gratuita e dá-me voltas ao estómago. Sim... Claro que poderia sempre tentar algo... mas o quê? Defender quem se nem sabia ao certo o que se passava? Separar como se os vampiros observadores nem me deixavam passar, como se adivinhassem que poderia fazer algo para lhes acabar com o espectáculo. Mais à frente pus-me a pensar. Como é que nós, seres humanos, nos podemos perder tantas vezes? Como podemos deixar que a irracionalidade que tanto se diz desprezar ou ter piedade, tome conta das nossa acções? Não seria melhor dar um murro na parede e sair? Deixar que a dor se desvaneça para que a voz possa sair? Não será melhor dar um pontapé numa cadeira ou outro objecto e deixar que a cabeça esfrie? Não! Há pessoas que adoram demonstrar que têm poder, nem que seja pela força. Um poder fraco quanto a mim. A violência é algo tão animalesco, tão sem fundamento que dirigida a outra pessoa é uma perda total de razão. São as palavras que podem levar ao entendimento. São as palavras que podem fazer resolver algo... o soco apenas descarrega de um lado e carrega do outro. A violência abre fossos difíceis de serem contornados e resolvidos depois. A violência perde sempre a razão, logo não vence nada... perde tudo!

Não sei se a polícia chegou a ir ao local. Já não estava com paciência para estar ali e fui-me embora. Apeteceu-me voltar para o meu
recôndido lar. Apeteceu-me continuar a minha paz interior e voltar ao meu mundo. Entrei, matei a minha sede. Abri uma coca-cola e resolvi pintar. Olhei para a tela branca, à minha frente. Ela parecia querer dizer-me coisas mas não estava disposta a ouvir. Agarrei as tintas. Olhei os pincéis mas não me apetecia usá-los. Sorri... meti a mão nas tintas e fui deixando que elas se desembaraçassem. Deixei-as livres num calcorrear de horas de indecisão, sentimentos, emoções, traços certos ou incertos. Larquei para lá tudo o que me preenchera naquele dia. Era um misto de loucura e paixão a forma como as minhas mãos se moviam... uma sinfonia plástica de dor e alegria, onde a paz interior servia de fundo. De repente! Uma das mãos ficou mais violenta e parecia querer dar um basta em alguma coisa, ou perante algum olhar. Mas, estava só... seria o meu olhar que a s incomodava? Resolvi colocar uma venda nos olhos e, numa outra tela deixei-as desbravar caminho. Quando acabei... fiquei assim... espectante. Não sabia o que pensar ou sentir. Apenas sorri. Algo me agradava mas, havia também algo que me desagradava. Deixei as telas falarem por si. Resolvi que iriam secar e, depois, mais ausente daquele dia eu iria contemplá-las e então sim... então tiraria uma ilacção uma conclusão de tudo. Afastei-me e fechei a porta abrindo apenas a janela para que as tintas secassem na tela. Voltei-me para outro tempo, outro espaço. Resolvi ligar o computador e escrever. Uma vez mais, os meus dedos cavalgavam incessantes como cavalos selvagens. Não os conseguia parar ou demover a escrever algo mais certinho, mais arrumado, algo que fosse uma história com princípio meio e fim para que as pessoas entendessem. Eles queriam lá saber! Estavam apenas a soltar-se a tirar de dentro o que lhes apetecia, sem regras nem pensamentos, sem direcção ou objectivos. Apenas pensei que talvez fosse mais um papel para rasgar e deitar fora. Mas eles ouviram, eles perceberam o que ia em mim e corriam ainda mais velozes sobre o teclado, tentando mostrar-me outros horizontes, outras cores que ainda não vira. Algo que talvez não tenha parado para pensar. Não sei! Sinceramente não sei! Sei que revoltada por não me ouvirem desliguei o computador abruptamente. Sem lhes dar qualquer hipóteses de explicação. Passei à folha branca e, quis apenas fazer uns traços a carvão. Tentei, tentei... juro que tentei mas não entendi. Eles largaram traços misteriosos, sombras, espaços em branco e, larguei tudo. Liguei a aparelhagem e cantei, espalhei a minha voz pelo quarteirão e, ela parecia ser dona de mim. Não a conseguia baixar de tom. Cantava, cantava, não a controlava apesar de ser parte de mim. Desliguei tudo e fui para a banheira acabar o dia com uma banhoca relaxante. Depois passei para o meu cadeirão de massagens e lá me abandonei. Só ele conseguiu controlar a minha energia. Só ele relaxou a minha fantasia e então adormeci. Adormeci nos seus braços que me massajavam e deliciavam. Deixei-me abandonada, entre a música e o seu toque mágico. E enquanto acabava o dia envolvida num adormecer, quase paradisíaco pensava que há dias assim... há dias em que apenas vale a pena ser... há dias em que apenas basta deixar voar o estado de alma. Sim, foram realidades mas também foram estados de alma que esvoaçaram na loucura dos meus dedos que apenas obedeciam a um sistema que há muito é parte de mim.

Luisa Abreu
08/09/09

Um comentário:

  1. Presença !
    De quem será a sombra
    Que acompanha e faz tremer ?
    Não existe timoneiro na alma.
    Carinho Lúcia Amorim

    ResponderExcluir